NEFROCALC 2.0
Aplicabilidade e Acurácia
das Fórmulas

RITMO DE FILTRAÇÃO GLOMERULAR

As equações que estimam o RFG e o CLcr não devem ser usadas em pacientes submetidos à diálise, em portadores de distrofias musculares, trauma muscular ou rabdomiólise. Exceto a de Brater,[1] também não são aplicáveis em situações que se acompanham de instabilidade da filtração glomerular, como na injúria renal aguda. Nessas condições aconselha-se determinar o clearance da creatinina convencional, em períodos de tempo tão curtos quanto 4 horas.[9,10]
O NKDEP (National Kidney Disease Educational Program) sugeriu que quaisquer dessas equações podem ser usadas para o ajuste de posologia de fármacos em insuficiência renal.[11]

APLICABILIDADE: Atributo de ser útil e adequada para a estimativa do valor da velocidade de filtração glomerular dos pacientes, em decorrência dos métodos laboratoriais utilizados* ou dos estudos de validação efetuados em populações-alvo.
*Por exemplo: dosagens de creatinina por meio de "kit" cujo padrão é rastreável ao método da espectrometria de massa com diluição isotópica (IDMS).

ACURÁCIA: Propriedade da equação de reproduzir com a maior aproximação possível o valor da verdadeira velocidade de filtração glomerular dos pacientes.

Cockcroft-Gault (C-G)

Válida somente para adultos a partir dos 18 anos de idade. Baixa acurácia em RFG>60ml/min. Como foi desenvolvida por meio de métodos antigos de determinação laboratorial, quando se usar a creatinina padronizada por IDMS o resultado do CLcr apresentar-se-á mais elevado. Em obesos e edemaciados utilizar o peso ideal. É considerada, ainda, a fórmula mais indicada para o ajuste de doses de fármacos em insuficiência renal.

Função renal instável (Brater)

Válida somente para adultos a partir dos 18 anos de idade. Utiliza duas creatininas consecutivas (creatinina 1 e creatinina 2). Como foi desenvolvida por meio de métodos antigos de determinação da creatinina, não deve ser aplicada quando se usa creatinina padronizada por IDMS, pois superestimará o CLcr. Pode ser utilizada para o ajuste de posologia de fármacos em injúria renal aguda, com estimativas frequentes do CLcr para novos reajustes de posologia, se necessários.[1]

Sanaka

Aplicável a idosos. Como foi desenvolvida a partir de métodos antigos de determinação da creatinina, não deve ser aplicada quando se usa creatinina padronizada por IDMS, pois superestimará o CLcr. Inclui a albumina sérica, que em idosos é frequente estar diminuída e provocar redução da volemia, fluxo sanguineo renal e filtração glomerular.

MDRD simplificada (1)

Equação não aplicável à creatinina IDMS padronizada. Não foi validada em crianças, mulheres grávidas e idosos acima de 85 anos. A equação subestima o RFG de indivíduos em níveis mais altos da velocidade de filtração glomerular, mormente acima de 60ml/min/1.73m2.

MDRD simplificada (2)

A equação foi revisada, na forma simplificada, para o uso de creatinina padronizada por IDMS. Aplicável em adultos, a equação subestima o RFG de indivíduos em níveis mais altos da velocidade de filtração glomerular, mormente acima de 60ml/min/1.73m2.

CKD-EPI

Aplicável em adultos. Baseada nas quatro variáveis da MDRD simplificada, a equação foi submetida a um modelo matemático da relação entre RFG e creatinina com a finalidade de corrigir a subestimativa da velocidade de filtração glomerular quando o valor se encontra acima de 60ml/min/1.73m2. Válida somente com creatinina padronizada por IDMS. A acurácia da equação é semelhante à da MDRD em RFG<60ml/min/1.73m2, e maior que a MDRD e C-G em níveis de RFG>60ml/min/1.73m2.


CKD-EPI Creatinina-Cistatina-C

Melhor desempenho do que as outras equações baseadas na creatinina plasmática ou na cistatina-C, isoladamente. Desenvolvida a partir da análise de 5352 pacientes de 13 estudos e validada em 1119 participantes de 5 estudos diferentes.[2] Pode ser útil como um teste confirmatório para doença renal crônica, mormente se as estimativas das equações CKD-EPI e CKD-EPI Cistatina-C não diferirem, entre si, em mais de 40%.[3]


CKD-EPI Cistatina-C

A cistatina-C estima melhor o RFG que as fórmulas baseadas na creatinina sérica.[4] A concentração da cistatina-C contorna o fenômeno da “área cega” da creatinina (faixa do RFG entre 40 e 90 ml/min/1.73m2, em que as concentrações da creatinina permanecem dentro dos limites da normalidade, apesar da redução da velocidade de filtração glomerular).


Cistatina-C (Larsson)

Metanálise publicada em 2002 concluiu que a cistatina-C parece ser melhor marcador do RFG que as fórmulas baseadas na creatinina sérica.[5] Larsson determinou o RFG medindo o clearance plasmático do iohexol e usou os resultados para calcular a equação que converte a concentração plasmática de cistatina-C em RFG.[6]


Schwartz (1)

Fórmula tradicional de Schwartz desenvolvida com base em creatininas não padronizadas por IDMS. Aplicável a recém-nascidos, crianças e adolescentes.[7,8]


Schwartz (2)

Fórmula desenvolvida para o uso de creatinina padronizada por IDMS, a partir de estudo tipo coorte constituído de 349 crianças, na faixa etária de 1-16 anos, portadoras de doença renal crônica. Apelidada de "Schwartz à beira do leito”. Aplicável a crianças e adolescentes.[9]


BIS-1 e BIS-2

As equações BIS-creatinina, “BIS-1”, e BIS-creatinina-cistatina-C, “BIS-2”, desenvolvidas pelo Berlin Initiative Study (BIS)[12] mostraram boa acurácia em indivíduos de 70 anos de idade, e nos mais idosos ainda, portadores de função renal normal ou leve à moderadamente reduzida. Todavia, nesse estudo, não houve validação para afrodescendentes. Entre nós, trabalho realizado na Escola Paulista de Medicina (UNIFESP),[13] que utilizou essas mesmas equações, abrangendo 95 pacientes octogenários e nonagenários, 7% não-caucasianos, 70% mulheres, observou melhor acurácia, nessas faixas etárias, em comparação aos resultados obtidos por outras fórmulas que usam creatinina ou cistatina-C, isoladamente. Na impossibilidade de dosagens de cistatina-C, sugere o uso da equação CKD-EPI ou a BIS-creatinina, “BIS-1”, em idosos. Em níveis de filtração glomerular menores que 60 ml/min/1.73m2 a “BIS-1” pareceu-lhes a melhor opção.[13]


CLEARANCE DA CREATININA CALCULADO

Clearance da creatinina endógena determinado com urina coletada por intervalos variáveis, tão curtos quanto 2-4 horas, até o intervalo usual de 24 horas, em pacientes portadores de Injúria Renal Aguda ou de Insuficiência Renal Crônica.

Outras situações em que o CLcr calculado tem indicação: extremos de idade e tamanho do corpo; desnutrição severa ou obesidade; paraplegia ou quadriplegia; dieta vegetariana; e gravidez.[11]


Clearance da creatinina de 4 horas
na Injúria Renal Aguda

“Medidas de depuração da creatinina de 4 horas, repetidas em pacientes criticamente enfermos, permitem a detecção precoce de injúria renal aguda, bem como a progressão e recuperação, em comparação com a creatinina plasmática”.[10]


POSOLOGIA DE MANUTENÇÃO DE FÁRMACOS
EM INSUFICIÊNCIA RENAL

Objetivando a prescrição de fármacos em insuficiência renal a "Nefrocalc 2.0" utiliza a fórmula de Giusti-Hayton-Tozer,[14,15] que permite encontrar um fator de ajuste (FA) baseado no clearance da creatinina do paciente e na maior fração ativa das substâncias (fármacos ou metabólitos) excretadas pelos rins em condições normais (fe). A reversão do clearance da creatinina normalizado (ml/min/1,73m2) ao não corrigido (ml/min) deve ser efetuada na determinação do FA, especialmente quando os valores das superfícies corporais ficarem muito distantes de 1,73m2; para mais ou para menos. Na adaptação de posologia, este software operacionaliza os métodos: D (doses reduzidas, intervalos de administração normais); I (intervalos de administração prolongados, doses normais) e D/I (associação de ambos).

A escolha de fármacos é feita numa caixa de listagem "drop-down" e seus nomes são acompanhados, quando for o caso, pelas anotações [HDc], [HDap], [HD] ou [DP] para indicar, respectivamente, necessidade de "Reposição Pós-Diálise" no uso de filtros capilares convencionais ou de filtros capilares de alta permeabilidade, e pós-diálise peritoneal.[16,17,18] Do mesmo modo, as letras de "a" a "r" [a,...r], que se seguem aos nomes dos fármacos, relacionam-se aos "Cuidados Especiais", cuja listagem pode ser encontrada abaixo dos cálculos de posologia.

O uso desta calculadora não dispensa o bom senso do profissional e sua expertise em farmacologia clínica, para maior segurança dos pacientes nos cursos terapêuticos.


VALIDADE E UTILIDADE DA FÓRMULA
DE GIUSTI-HAYTON-TOZER

FA=1/[fe(CLcr/120-1)+1]

Em função renal estável e RFG>50 ml/min é menos frequente a necessidade de correção de doses de manutenção de fármacos e dos intervalos de administração, em insuficiência renal. Quando os fármacos apresentarem fe<0,50 não há geralmente necessidade de correção de posologia na presença de qualquer nível de função renal[19] (alguns consideram níveis mais baixos para tal: fe≤0,30-0,40).[20]

Diversos pré-requisitos devem ser admitidos para a validade do uso da fórmula de Giusti-Hayton-Tozer como instrumento para a adaptação da posologia de manutenção de fármacos em insuficiência renal:[20,21]

1o) Substâncias com farmacocinética de primeira ordem dentro da faixa terapêutica.

Porém, com poucas exceções, tais como Cefadroxil e Mezlocilina, a maioria dos fármacos com cinética de ordem zero apresenta fe<0,30. Assim a aplicação da fórmula de Giusti-Hayton-Tozer resultará em FA (fator de ajuste) igual ou bem próximo da unidade; indicando ser desnecessária a correção posológica (FA=1); ou demandando, no máximo, algum arredondamento de dose e intervalo de administração (FA<1,43).*

2o) Farmacocinética que possa também ser descrita por modelo unicompartimental, sem prejuízo substancial dos valores da disposição corporal das substâncias terapêuticas.
3o) Fatores de ajuste (FA) calculados por meio da fe dos princípios ativos.
4o) Se um metabólito ativo possuir fe maior que a da substância ativa que lhe deu origem, a fe do metabólico deve ser utilizada.
5o) Nenhuma diferença significativa dos processos de absorção dos fármacos na insuficiência renal em relação ao normal.
6o) Exceto a excreção renal, nenhuma diferença significativa dos outros processos da disposição corporal, tais como distribuição, metabolismo, etc; em relação ao normal.
7o) Nenhuma diferença significativa da sensitividade do organismo aos fármacos em relação ao normal (farmacodinâmica).
8o) Relação direta entre o clearance da creatinina (CLcr) e a eliminação renal dos fármacos, isto é, CLcr proporcional ao clearance renal dos fármacos.
9o) Função renal estável.

*Fração de excreção renal (fe) de substâncias terapêuticas com farmacocinética de ordem zero:
Aspirina (0,05), Ácido Valpróico (<0,03), Cefadroxil em dose ≥ 500mg (0,80), Claritromicina (0,20), Difenilidantoína (0,02), Dipirona (0,15), Fenilbutazona (0,01), Fenobarbital – dose elevada (0,25), Fluoxetina (0), Fluvoxamina (0), Heparina (0), Metilprednisolona (<0,01), Metoclopramida (0,20), Mezlocilina (0,65), Nefazodona (0), Paroxetina (<0,02), Teofilina – alguns pacientes (0,10), Tiopental – dose elevada (0), Tolbutamida (0).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Brater DC. Creatinine clearance from changing serum creatinine, page 2. In: Pocket manual of drug use in clinical medicine, third edition. B.C. Decker Inc., Toronto, 1987.

2. Inker LA, Schmid CH, Tighiouart H, Eckfeldt JH, Feldman HI, Greene T, Kusek JW, Manzi J, Van Lente F, Zhang YL, Coresh J, Levey AS, others CKD-EPI Investigators. Estimating Glomerular Filtration Rate from Serum Creatinine and Cystatin C. N Engl J Med 2012; 367:20-9.

3. Grubb A, Nyman U, Bjork J. Improved estimation of glomerular filtration rate (GFR) by comparison of eGFRcystatin C and eGFRcreatinine. Scand J Clin Lab Invest. 2011; 72(1):73-77.

4. Madero M, Sarnak MJ, Stevens LA. Serum cystatinC as a marker of glomerular filtration rate. Curr Opin Neph Hypertens 2006; 15(6):610-616.

5. Dharnidharka VR, Kwon C, Stevens G. Serum cystatin C is superior to serum creatinine as a marker of kidney function: a meta-analysis. Am J Kidney Dis 2002; 40(2):221-226.

6. Larsson A, Malm J, Grubb A, Hansson LO. Calculation of glomerular filtration rate expressed in mL/min from plasma cystatin C values in mg/L. Scand J Clin Lab Invest 2004; 64: 25-30.

7. Schwartz GJ, Feld LG, Langford DJ. A simple estimate of glomerular filtration rate in full-term infants during the first year of life. J Pediatr 1984 Jun; 104(6):849-54.

8. Schwartz GJ, Gauthier B. A simple estimate of glomerular filtration rate in adolescent boys. J Pediatr 1985 Mar; 106(3):522-6.

9. Schwartz GJ, Muñoz A, Schneider MF, Mak RH, Kaskel F, Warady BA, Furth SL. New equations to estimate GFR in children with CKD. J Am Soc Nephrol 2009 Mar;20(3):629-37.

10. Pickering JW, Frampton CM, Walker RJ, Shaw GM, Endre ZH. Four hour creatinine clearance is better than plasma creatinine for monitoring renal function in critically ill patients. Critical Care 2012; 16:R107 (http://ccforum.com/content/16/3/R107).

11. Frequently Asked Questions About GFR Estimates. National Kidney Foundation, 2011.

12. Schaeffner ES, Ebert N, Delanaye P, Frei U, Gaedeke J, Jakob O, Kuhlmann MK, Schuchardt M, Tolle M, Ziebig R, van der Giet M, Martus P. Two novel equations to estimate kidney function in persons aged 70 years or older. Ann Intern Med 2012; 157: 471-81.

13. Lopes MB, Araújo LQ, Passos MT, Nishida SK, Kirsztajn GM, Cendoroglo MS, Sesso R. Estimation of glomerular filtration rate from serum creatinine and cystatin C in octogenarians and nonagenarians. BMC Nephrology 2013; 14: 265.

14. Giusti DL, Hayton WL. Dosage regimen adjustments in renal impairment. Drug Intel Clin Pharm 1973; 7: 382–387.

15. Tozer TN. Nomogram for modification of dosage regimens in patients with renal function impairment. J Pharmacokin Biopharm 1974; 2(1):13-28.

16. Johnson CA. 2010 Dialysis of Drugs. CKD Insights, LLC. Verona, Wisconsin, USA. Available from URL: http://www.seanmeskill.com/DialysisDrugs2010.pdf
(Accessed: January 09, 2015).

17. Bailie GR, Mason NA. 2013 Dialysis of Drugs. Renal Pharmacy Consultants, LLC. Saline, Michigan, USA. Available from URL:
http://renalpharmacyconsultants.com/assets/2013dodbooklet.pdf
(Accessed: January 09, 2015).

18. Bailie GR, Mason NA. 2014 Dialysis of Drugs. Mobile app for iOS, Android and Kindle. Renal Pharmacy Consultants, LLC. Saline, Michigan, USA.

19. Drug use in renal impairment. Clinical Pharmacology Bulletin. Department of Clinical Pharmacology. Christchurch Hospital. Canterbury, NZ.

20. Matzke, GR. Principles of Drug Therapy in Patients with Reduced Kidney Function. In: Primer on Kidney Diseases 5th Ed. National Kidney Foundation 2009. Saunders Elsevier. Philadelphia, PA. Chapter 39: 322-29.

21. Bochner F, Carruthers G, Kampmann J, Steiner J. Drugs and Renal Disease. In: Handbook of Clinical Pharmacology 2nd Ed. 4:26-33. Little, Brown Co. 1983.